terça-feira, 17 de setembro de 2013
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O jornalismo adolescente

08:05
Existe no jornalismo uma expressão incrível e que eu adoro para designar uma vertente de produção textual. É o chamado “jornalismo punheteiro”. É sério, essa expressão existe de verdade. Procurei e não encontrei uma definição “séria” de algum grande teórico da área, então lá vai uma explicação bem educativa.

Sabe na época da Copa do Mundo, quando você abre seu site de notícias preferido para verificar os gols da sua seleção, e se depara com uma matéria do tipo “Musas que embelezaram os estádios nessa rodada”? Ou durante as Olimpíadas, quando uma atleta de levantamento de peso chocou a sociedade (!) porque, absurdo dos absurdos, tinha pelos nas axilas? Isso é o jornalismo punheteiro.

Jornalismo punheteiro na sua mais pura forma.

Essa produção textual de 15 anos de idade objetifica as mulheres em qualquer área e faz com que elas sejam destaque, pro bem ou pro mal, por suas características físicas. E só. São aqueles escândalos escabrosos do tipo “atriz Fulana vai à praia com o filho e paga peitinho”.

Para os jornalistas adeptos dessa vertente – normalmente homens, membros de editorias de esporte ou revistas masculinas – mulher bonita é pra ser admirada. Não importa se ela ganhou o Prêmio Nobel de Química, descobriu a cura do câncer ou é a brasileira mais jovem a escalar o Everest. O importante é ser bonita.



Não existe muito o que dizer sobre esse jornalismo que se tranca no banheiro, ele deveria ser absurdo por si só. Então o objetivo dessa curta postagem é mais um convite a repensar essas asneiras que a gente considera tão normais. Será mesmo esse o único viés existente para matérias envolvendo mulheres? E será que o pauteiro, editor ou repórter realmente pensou que esse gancho seria super inusitado? E não, gente, não é perseguição, ou paranoia de jornalista feminista. Desafio vocês a me dizerem que é normal a decisão de capa da GQ ao anunciar os homens e mulheres do ano, de acordo com a redação deles.



Sério? Quer dizer, porque a gente não põe todo mundo pelado de uma vez?

O que a gente não pode esquecer nunca (nem o público, nem os jornalistas), é que o jornalismo é um formador de opinião poderoso. Eu sei que em cinco textos vocês já me viram falar isso umas quatrocentas vezes, mas ao objetificar as mulheres dessa maneira tão escancarada a mensagem que passamos é “ok, você pode até ser boa na sua área, mas se não for bonita, feminina e recatada, nada mais importa”. Será mesmo essa a mensagem que a gente quer passar? E, se for, temos ideia de como isso prejudica metade da população?

Um bom exemplo é a política. Esse texto excelente da Karla T fala mais profundamente sobre o assunto, mas eu estou aqui só pra agitar o caldo. Vocês já repararam como sempre que alguém quer condenar a postura política da Dilma, por exemplo, acusa-a de ser “feia” ou “sapatão”? Eu vi cartazes nos protestos de junho, dessa nossa juventude revolucionária, que diziam exatamente isso. Interessante é que eu nunca vi o Lula ou o Fernando Henrique serem chamados de “feios”, “barbudos”, “viadinhos” ou qualquer outra idiotice durante seus mandatos. Eles eram “bêbados”, talvez, ou “engomadinhos”, mas sua sexualidade ou expressão de gênero nunca foi questionada. E nem deveria. Isso é uma tremenda babaquice.

Acho mágico como o jornalismo punheteiro consegue se infiltrar em absolutamente qualquer matéria.

Por isso, pra resumir, não, não é legal destacar uma mulher em sua área porque ela é ou não é bonita. Se ‘tá difícil pensar em pauta, porque a gente não fala de como o futebol feminino no Brasil é marginalizado, mesmo a gente tendo a melhor jogadora do mundo? Ou de como pouquíssimas empresas tem CEOs mulheres? Ou como policiais sofrem com o machismo nas corporações, ao invés de mostrar como elas se mantém “femininas” em uma profissão tão “masculina”? Seriam textos interessantes de se ver.


Vamos deixar a o jornalismo punheteiro só pra Playboy, que tal?


- Existe um tumblr maravilhoso que se dedica a mostrar essas e outras pérolas do jornalismo punheteiro no nosso Brasil. É o Jornalismo Punheteiro e vale boas risadas (ou choros).

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