terça-feira, 19 de novembro de 2013
2 comentários

A jornada da heróina

10:36
Esse domingo, meio que sob pressão, aceitei o convite de um amigo para acompanhá-lo na sua segunda sessão de Jogos Vorazes: Em Chamas. Confesso que um dos preconceitos que eu ainda tenho, mas estou lutando pra extinguir, é o elitismo, e não tem coisa que me repele mais do que um filme ou livro que cai no gosto da esmagadora maioria da população. A crença geral é que se a grande massa gosta, não pode ser boa coisa. Não me orgulho de concordar com isso, mas é importante deixar claro pra ilustrar o quanto eu não estava nem um pouco interessado na última sensação literária e cinematográfica dos jovens.

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Dito isso, fomos eu, esse amigo e outra amiga assistir o bendito filme. Sobre ele, confesso que gostei. Me venceu pelo cansaço e, ainda essa semana, pretendo começar a ler os livros. Mas foi outra coisa que me deixou pensativo.

A construção dos personagens.

É raro e muito interessante ver uma personagem feminina, protagonista, forte e independente. Não sou nenhum expert em análise de narrativa (quem sabe no futuro), mas apesar de leigo, deu pra perceber que Katniss, a personagem principal, não precisa ser salva por nenhum dos personagens masculinos em nenhum momento. Pelo contrário, ela constantemente salva Peeta e – ao lado dele – se apresenta como a personagem responsável por guiar os acontecimentos, dar ritmo a trama, enfrentar e vencer os desafios, proteger os personagens mais fracos. Peeta, por sua vez, é o lado tímido da narrativa, que precisa ser guiado, forçado para fora de seu torpor para perceber que precisa agir por conta própria. Ele não possui características físicas marcantes, tampouco intelectuais. Para todos os efeitos e fins, ele é um sujeito sem graça, que não fosse por Katniss teria morrido na primeira meia hora dentro da arena.



Mais uma vez, não li os livros, logo essa é uma análise bem superficial. A família de Katniss é composta exclusivamente por mulheres. Sua mãe, muito afetada pela morte do marido em um acidente, não consegue cuidar das filhas e sobra para Kat assumir a responsabilidade. Seu melhor amigo e paixonite aguda, Gale, é o perfeito estereótipo de galã e tinha tudo para ser o salvador, que cuida de Kat e de sua família, mas não é esse o caso. Em todos os momentos ele é apresentado em pé de igualdade com ela, como auxílio, nunca como príncipe do cavalo branco.

Depois que Kat deixa a família para participar dos Jogos, a irmã mais nova amadurece e igualmente assume as responsabilidades que antes eram da mais velha, mostrando que ela também é perfeitamente capaz de se virar no mundo caótico em que vivem. Existem vários detalhes, também, como o fato de Peeta ser padeiro/confeiteiro, profissão comumente tida como delicada e não muito “máscula”. Enfim, entre os personagens principais fica muito claro que existem aqueles que sabem se cuidar e aqueles que precisam de ajuda e, na história, isso não tem nada a ver com o gênero.



Monomito


O Monomito, ou Jornada do Herói, foi um padrão encontrado pelo antropólogo Joseph Campbell na maioria dos mitos e histórias de heróis, sejam elas antigas ou contemporâneas. Ele diz que, como regra geral, as histórias de heróis seguem sempre a mesma linha e servem para enaltecer o protagonista e suas características. Por muitos anos, esse padrão foi utilizado exclusivamente com personagens masculinos. Apenas homens eram vistos como adequados para seguir a Jornada do Herói e a recompensa máxima era o amor da mocinha no fim da história. Mais machista que isso, impossível.

Justamente por isso é bacana observar filmes e livros voltados para o público infanto-juvenil, como Jogos Vorazes, que encaixam perfeitamente bem uma heróina dentro da Jornada do Herói.



Katniss, aliás, é essa jovem decidida e guerreira, mas também é vulnerável, tem medo, sofre com pesadelos depois dos jogos e busca em Peeta o mesmo consolo que ele busca nela. A personagem consegue balancear os dois lados, sem ser a donzela em perigo, mas também sem pender para o lado kicking ass and taking names, como se fosse impossível ser uma heróina lutadora e delicada, ao mesmo tempo.

Acho que isso se enquadra bem no que a Natalie Portman disse, recentemente, em entrevista a umarevista americana. Segundo a atriz, transformar as personagens femininas de Hollywood de donzelas indefesas à guerreiras assassinas não tem nada de libertador ou feminista. É só mais um tipo de opressão.


Por enquanto, o filme passa pelo menos pelo Bechdel Test. E olha que isso já é um grande feito.

2 comentários:

  1. Benedito. Gostaria de reproduzir este texto "A jornada da heróina" no endereço . http://revistapittacos.org/ . E gostaria de conversar sobre outras republicações. Gostei muito dos textos que li neste blog. Se incomoda de conversarmos? meu contato é rodrigomudesto@yahoo.com.br ou https://www.facebook.com/rmudesto

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    1. Oi, Rodrigo! Incômodo nenhum, fico, aliás, muito honrado e feliz com o convite. Já te adicionei no Facebook para trocarmos uma ideia. No meio tempo, fique à vontade para reproduzir o que mais te agradar. Abraços.

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